Apelidos
Carlos Adauto Vieira
Certas cidades, especialmente litorâneas,
ganharam secular fama pelo espírito com que seus habitantes distribuíam
apelidos. Sob a capa protetora do humor ou da espirituosidade, gravavam para
eternidade defeito físico, sestros, ditos, cacoetes, vícios.
Houve uma que, até, a realçar a sua fama
apelidatória, que organizou concurso de apelidos, saindo vencedor CARRANCA DO
SÃO FRANCISCO, seguido de CACHORRO DE FALUA.
Ambos retratavam a mesma pessoa e o
segundo lugar se deu em virtude da erudição do autor, pouco acessível ao
público.
Cachorro
de falua ou carranca do S. Francisco são aqueles figuras existentes na proa dos
barcos, entalhadas ou, ali, colocadas.
O
apelido decorria do fato de um prático de barra, todas as vezes em que ia ou
vinha para as manobras dos navios, na barra da baia, postar-se na proa do
rebocadorzinho, que o transportava, numa pose de chamar a atenção.
Morreu
CARRANCA vinte ou trinta anos depois. Porém, indiferente ao apelido, jamais
deixou de fazer a pose, indo ou vindo do serviço.
Conheço apelidos fabulosos. Dentre todos
destaco um. Seia pelo humor ferino, seja pela espirituosidade.
Certo
cidadão tinha a esposa muito católica, muito beata. Dessas que não perdem missa
e comunhão diária: que passam todo o tempo livre na igreja, rezando, enfeitando
altares, limpando santos, estendendo tapetes. No caso, ainda por cima o casal
não tinha filhos, podendo ela dedicar-se, inteiramente a estes misteres sem
prejuízo dos afazeres domésticos. O marido, cuidando da sua vidinha, dos seus
passarinhos, nenhum obstáculo punha à devoção da mulher.
Mas,
cidade pequena, esta dedicação começou a despertar maledicência, tanto mais que
o padre velho se aposentara e viera a lhe ocupar as funções outro mais moço,
bem apessoado, dinâmico.
O
diz-que-diz-que foi aumentando na razão direta em que relacionamento entre o
novo cura e a, ainda jovem senhora, por força
dos interesses da igreja, se estreitava.
Havia
e deve ter sempre havido pura fofoca. Mas certo povinho de tanto não ter o que
fazer, de tanto não ter perspectivas, envolve-se no fuxico, cria estórias,
inventa lendas, derruba reputações.
Ninguém
tinha ou jamais teve qualquer fato concreto a provar ligação espúria entre a
senhora e o sacerdote. Porém, no ar se soltavam insinuações, os murmúrios
maliciosos.
O
marido, ignorando as conversinhas, vez por outra, aceitava o padre em casa para
almoçar, para tomar um aperitivo, para lhe mostrar os passarinhos, na maior das
inocências.
Fora
o povinho a arraia miúda ouriçava.
-
Pô, agora até a casa já freqüenta...
O
triângulo de nada desconfiava, nem tinha motivos para tal.
Lá
um dia apareceu na cidade advogado, á procura do senhor fulano de tal, que
teria direitos e interesses em herança.
Na
busca facilmente localizou o futuro cliente. Indagando no Fórum, logo um
serventuário lhe deu a informação.
-
Fulano de tal?
E
chamando um gurizote, que fazia às vezes de contínuo, lhe ordenou:
Leva o doutor, aqui, à casa do GALHO BENTO.
O autor é jornalista, escritor e
advogado
Presidente da Academia de Letras
e Artes de São Francisco do Sul.
* * * * *
O CONTO E A CRÔNICA
Júlio de Queiroz
Palestra proferida na abertura do 1º Encontro das Academias de Letras do
Brasil, em 1º de junho de 2012,no Auditorio da Assembléia Legislativa de Santa Catarina.
Um longínquo
antepassado da espécie humana, ainda quase um símio sem pêlos, como qualquer
outro animal terá grunhido seu susto ao ser atacado; sua dor ao ser começado a
ser devorado; sua ansiedade quando em cio; sua satisfação ao encontrar comida.
Estes grunhidos
não o diferenciavam de qualquer outro animal com cordas vocais. A grande
diferença é que, ao contrário de outros animais, o grunhido de “cuidado, perigo
à vista!” tomou-se um aviso a todos os outros seus companheiros, interrompeu o
que quer que o resto do grupo estivesse fazendo e o alertou. A interjeição terá
sido a primeira mensagem dada e recebida.
Nascia a
linguagem falada, antecessora da comunicação escrita.
Na evolução dos
grupos sociais, primeiro, a convivência do macho e da fêmea e os cuidados com
os filhotes deu início à coesão na família; para ter maior proteção, famílias
aproximaram-se entre si e formaram o clã; os clãs fortificados pela união,
compuseram a tribo.
A sociedade
humana estava constituída.
Neste três
níveis, família, clã e tribo, teve lugar uma crescente complexidade da
transmissão verbal, o aumento vocabular e, acima de tudo, o que aparentemente é
um privilégio da espécie humana, o surgimento e o desenvolvimento de um
vocabulário designativo não apenas de fatos concretos, mas também de
sentimentos, de lembranças e de previsões. Um vocabulário de situações
abstratas.
O acúmulo e a
coletivização de experiências impuseram sua transmissão aos mais jovens. O
acervo de experiências assim transmitido cresceu e transformou- se em sabedoria
passada de geração em geração.
Mal caída a
noite, terminada a faina do dia, em volta da fogueira à beira da caverna e
depois das habitações primitivas, noitinha após noitinha, os mais velhos
transmitiam aos mais jovens suas experiências pessoais e aquelas que tinham
recebido, ainda crianças, de outros velhos já mortos.
Por que à noite?
Porque após o serão noturno dormiam todos. Assim as impressões e os
ensinamentos recebidos não eram toldados por impressões e experiências formadas
por outras atividades após a audição.
Estes relatos e
ensinamentos noturnos ganharam o tabu de não dever ser repetidos durante o dia.
Em quase todos os estudos antropológicos surge a constatação de ter havido a
proibição de repetir durante o dia os relatos ouvidos nas noites. Na tradição
ocidental, ficou a proibição de não se contar estórias durante o dia e a
admoestação, por muito tempo, severa, de que “quem conta história de dia, cria
rabo”, ou seja, torna-se o demônio, o amaldiçoado, o proscrito.
Marie Louise von
Kind, uma discípula de Jung, dedicou sua vida ao interpretar a linguagem
simbólica dos contos de fadas, quase todos de antiqüíssima origem. Mostra ela
como o conto “A Bela Adormecida”, compõe-se de determinações de um rito de
passagem feminino. A menina que, apesar de proibida por seus pais estava
fiando, é picada pelo fuso (o fuso é um símbolo fálico), sangra (símbolo da
primeira menstruação), adormece. Em volta dela cresce uma sebe densa que oculta
toda a casa (proteção da tribo) até que o homem certo (o escolhido para marido)
se aproxima. Para ele a sebe se abre (as proibições grupais desaparecem) o
jovem a beija e a desposa. A unidade
familiar não foi ameaçada; foi ampliada.
Dos muitos
ensinamentos noturnos nasceram os relatos de valentia e proezas e também os de
encantamento e amor.
Surgia um tipo de
relato conhecido pelos lingüistas como folk lore, as historietas
populares. São elas as longínquas antecessoras do conto e da crônica.
O conto está
presente em todas as culturas humanas. Inicialmente como relatos orais. Depois
do aprendizado e domínio da escrita, foi ele transposto para todos os meios de
conservação conhecidos: o papiro, no Oriente Médio, as plaquetas de barro na
Mesopotâmia; o papel, no Oriente Distante, as runas, em cascas de árvores do
norte da Europa e o pergaminho, em toda a Idade Média.
De modo rudimentar,
pode-se afirmar ter o conto escrito duas grandes fases no ocidente: A primeira
no mundo pagão, mormente na Grécia e em Roma.
Na Grécia, parece
que o primeiro relato escrito unicamente para deleite do leitor começou com
Lúcio de Patras, que elaborou as aventuras de um rapaz que se transforma num
burrico e descreve os seres humanos e seus hábitos do ponto de vista de um
asno. Apuleio encadeia vários contos com um único tema: os amores de cupido e
psique.
Roma teve vários
autores, mas o principal deles foi Petrônio com seu Satyricon.
A segunda fase é
a que abrange toda a tradição cristã e começou com os fabliaux, historietas
gaulesas de todo tipo, que, quase que ao mesmo tempo, viram o surgimento da ballads,
as baladas do mundo saxônico, depois anglo-saxônico.
No mundo ibérico,
junto com a tradição das fábulas, depois da conquista muçulmana surgem as
xácaras, do árabe jacaras, relatos de malfeitores simpáticos e aventureiros.
Uma legítima
descendente da xácara é a literatura de cordel do nordeste brasileiro.
Juan Galiano Valera y Alcalá (1824—1905) um
romancista e estudioso espanhol, tem um brilhante e erudito trabalho sobre a
história universal do conto.
Diferenças entre o romance, o conto
e a crônica
É comum, mas
pouco exato, atribuir-se a diferença entre estas três formas literárias apenas
pela extensão de cada uma delas. Se longo, é romance; se meio longo, é conto;
se curto, é crônica. Outros acrescentam que se curtíssimo é aquilo que no
Brasil é conhecido como caso ou, ainda, apenas resumido a um episódio, a
anedota.
Do ponto de vista
literário, as diferenças são um pouco mais complexas:
O romance tem 1)
um tema principal e múltiplos subtemas. 2) elabora um aprofundamento
psicológico das personagens e das situações. 3) relata uma série de
acontecimentos em tempo ficcional presente à medida que estes se desenrolam e,
por fim, 4) o final pode ser tanto inesperado quanto previsível.
O conto 1)
apresenta um tema único ou tão forte que os subtemas sejam apenas
pano-de-fundo. 2) desenha o personagem principal numa frase ou num parágrafo;
3) conta um incidente forte: 4) poe ser uma narrativa linear, mas não se
aprofunda no estudo psicológico nem na motivação das ações, pelo contrário, 5)
procurar demonstrar essas motivações pela descrição das ações das personagens.
6) sua linha de narrativa é horizontal e, sobretudo, 7) dá sempre um fim
inesperado e surpreendente ao relato.
O romance é
uma árvore com galhos frondosos espalhando-se.
O conto é
um arbusto compacto com poucos galhos essenciais.
Elizabeth, Bowen,
um estudiosa da forma do conto, numa série de ensaios (CoI!ected
Impressions) afirma que “o conto exige apuro na técnica e no bom gosto. O
que for supérfluo ou exagero dói na vista como uma inchação. Se o autor não
tiver senso de medida, não há santo que o ajude.” (in A arte do conto — R.
Magalhães Júnior).
Robert Kanters é
ainda mais categórico: “Nada em excesso é a regra de ouro do conto.” Monteiro
Lobato ensina de forma jocosa, mas oportuna: “Um conto há de sair sem esforço;
como se mija”. E Mário de Andrade acrescenta com ironia que “conto é aquilo que
o autor chama de conto” (idem, ibidem).
E quando, no
drama “Hamlet”, o primeiro ministro Polônio se propõe, com muitos
circunlóquios, a relatar ao rei e à rainha o que descobriu sobre a loucura de
Hamlet, Gertrudes, a rainha, se sente obrigada a admoestá-lo: “Mais conteúdo e
menos palavrório!” (ato 2; cena 2) e dá a regra de ouro de um relato.
O conto curto,
quase que universalmente conhecido como short story, nasceu no mundo
anglo-americano. Um de seus expoentes e dos mais queridos foi O. Henry,
pseudônimo de William Sydney Porter, de vida fulgurantemente trágica e curta.
Porter nasceu em
Greenboro, Virgínia do Norte. Tentou publicar uma revista humorística. Depois
trabalhou corno caixa no Banco Austin. Problemas com a prestação de contas
diárias levaram-no a sofrer a acusação de ter surrupiado dinheiro do banco.
Fugiu para Nova Orleans e, depois, para Honduras. Quando soube que sua mulher
tinha ficado muito doente, voltou para Austin. Foi preso e condenado a cinco
anos de prisão. Só serviu por três anos. Um carcereiro, Orrin Henry, foi-lhe
condescendente e amável. Um companheiro de prisão emprestou- lhe um livro Retrieved
Reforrnation. Porter decidiu-se a escrever um conto e o enviou para uma
revista sob um pseudônimo: o nome do carcereiro amigo. O conto foi aceito e
publicado. Em 1902, foi para Nova lorque, cidade que amou profundamente e que
se tomou o ambiente de muitas de seus contos curtos, relatados sob o peudônimo
de O.Henry
Tomou-se escritor
profissional. Morreu aos 45 anos de idade de tuberculose. Deixou mais de 600
contos curtos. Alguns deles, jóias de primeiro quilate; “Relatório municipal”,
“Uma historia inacabada”, “Um barganhador com cassetete” “Um amante barato”,
“Dois cavalheiros num Natal” são os mais repetidos em todas as antologias.
Dele, meus preferidos são “O policial e o hino”, “A última folha” e “O presente
dos magos”.
Eis o resumo de um
desses contos:
O policial e o
hino.
Soapy (sugismundo)
é apresentado no início do conto. Ele era um vagabundo de rua que tinha
inventado várias artimanhas para, com a aproximação do fim de cada outono,
conseguir ir para a cadeia, onde, pelos três meses de inverno, lhe seriam
garantidas comida quentinha e uma cama morna.
Mas nesse outono
ele não estava dando sorte. Todas as peripécias que anualmente o tinha levado à
presença de um magistrado tinham falhado. Entrar num restaurante, almoçar e, no
fim, avisar que não tinha dinheiro; incomodar uma senhora na rua; esparramar
pelo chão a carga de maças arrumadinhas numa carroça declarando-se o culpado e
várias outras transgressões da ordem pública tinham falhado miseravelmente
neste pré-inverno, que ameaçava ser dos mais rigorosos. Desconsolado, caminhava
a esmo pelas ruas, desesperançado do passadio desejado. Numa dessas andanças
encontrou-se em uma praça, na qual se situava uma igreja. Pelas portas abertas
do templo chegaram-lhe os sons de um órgão no qual alguém ensaiava as canções
natalinas.
Sentado num
degrau da escadaria, ao ouvir a música das canções lembrou-se de que, em
menino, sua mãe as cantava para ele. Envergonhou-se de sua situação; do que se
tinha tornado e da humilhação que sua mãe sentiria ao vê-lo um vagabundo de rua,
sem dignidade e sem auto-estima. Prometeu-se procurar um emprego onde pudesse
trabalhar comer e dormir, Iria viver dali em diante de tal modo que sua mãe se
orgulhasse dele se viesse a encontrá-lo. Estava no auge de sua disposição
quando uma mão pousou em seu ombro e o comando de um policial lhe ordenou que o
seguisse. No dia seguinte, um juiz lhe determinou três meses de detenção por
vagabundagem e falta de moradia fixa.
Freqüentemente, o
enredo de um conto forma-se a partir de uma lenda ou de um relato de domínio
público. Não se trata de plágio, mas de recriações de um tema. E este o caso de
uma lenda religiosa medieval de nome Beatriz.
Beatriz foi
trabalhado e modificado por Cesarius van Heisterbach, em seu livro Diálogo
dos Milagres; por Gauthier de Coicy em Milagres da Santa Virgem; nas
Cantigas de Dom Afonso o Sábio (rei de Espanha); por Jacopo
Passavanti no seu Espelho da Verdadeira Penitência; por Ghisbert,
O flamengo sob a forma de um longo poema intitulado Beatriz. Posteriormente,
lope da Veja, Zorilla, Maurice Maenterlink, os Irmãos Tharaud e, por fim, Gottfried Keller, autor
alemão moderno, em seu livro Sete Lendas, que, entre nós, foi traduzido
e prefaciado por Aurélio Buarque de Holanda e Paulo Ronái.
A lenda medieval
fala de uma bela e jovem monja, que, entre suas atribuições, deveria cuidar e
pôr flores no altar da Virgem Maria. De uma das janelas de seu mosteiro, a
monja via com freqüência um belo cavaleiro, que também passou a notá-la.
Acabaram se enamorando. Fugiram. Poucos anos depois de juntos, o cavaleiro a
abandonou e ela teve que se prostituir. Por fim arrependeu-se e, filha pródiga,
firmou o desejo de voltar e pedir perdão à madre superiora, implorando-lhe ser
apenas mais uma empregada de sua abadia. Realizou seu intento. A abadessa ficou
muito admirada..com o pedido da estranha e alegou que devia haver um terrível
engano pois a monja jamais tinha saído da clausura. Apenas alguém roubara a
imagem de Nossa Senhora. E para provar levou a visitante arrependida até o
altar. Esta negou-se a entrar na capela. Lá, no altar estava a imagem de Nossa
Senhora, como sempre, em seu lugar, a monja jovem estava diante da superiora
com a aparência de sempre, pois a Mãe de Jesus havia tomado o lugar dela na
comunidade durante sua ausência e parado o tempo. Noutro relato, A Virgem Maria
também faz o tempo parar até que a monja retome. E noutro, ainda, a faz ter-se
casado, tido filhos, sido feliz maritalmente. E com a morte do marido ter
desejado retornar a seu viver inicial.. Também neste relato a Mãe de Jesus
tinha parado o tempo.
A crônica é uma conversa entre amigos, como que dois dedos de
prosa.
A diferença entre o conto e a crônica é basicamente que o conto é um
relato, enquanto que a ênfase da crônica está no devaneio.
É interessante
notar- que a crônica, libélula da literatura, nasceu com os jornais modernos e
floresceu naquelas cidades e entre aqueles povos amantes de conversar, capazes do amor à
palavra e de degustar a boa frase, aquilo que os franceses chamam de bon mot. Surgiu em Paris, com o nome de feuilleton e, com este nome, brilhou na
Berlim entre as duas guerras mundiais.
Berlim, agora
outra vez capital da Alemanha, tornou-se notória pela capacidade de seus filhos
de rir, contar anedotas, apelidar pessoas e monumentos, o que de nenhum modo é
um atributo de toda a Alemanha. Quando, na última Grande Guerra, os aliados
bombardearam inclementemente a capital alemã, na qual nem havia fábricas
bélicas nem grandes contigentes militares, um dos prédios arrasados foi a Gedächtniskirche, a Igreja da Memória, erigida em lembrança do
Kaiser Guilherme 1º, em pleno centro da capital. Após o bombardeio restou
apenas a torre da igreja. Ainda assim, tremendamente danifificada, com o
restante de suas paredes desmoronadas de modo irregular. Alguns dias depois da
demolição, tinha ficado decidido que se reconstituiria o templo no futuro, mas
se deixaria a torre no estado em que se encontrava, pois os berlinenses já a
tinha apelidado de “dente cariado”, mais uma criação da conhecida Berliner
Maul, ou seja, “o desaforado focinho berlinense”, pois Maul é o
focinho dos animais em alemão e sempre pejorativo quando usado para humanos.
Nesse período de
entre guerras, o teatro de vaudeville, assim como a crônica tiveram seu
auge, o que só veio se repetir depois do término da II Guerra Mundial, quando
os berlinenses, cercados pelas tropas de ocupação americanas a oeste e pelas
soviéticas a leste, encenou, por décadas, os politische Kabarette encenações
teatrais jocosas e de afiada crítica política. Um dos mais famosos desses
minúsculos grupos teatrais chamou-se die Insulaner, Os Ilhéus, pois
Berlim tinha se tornado uma ilha de inteligência entre as raivosas águas de
dois lados beligerantes e idiotas.
Na Berlim de
entre as duas guerras, brilhou de modo ímpar um cronista literário, Kurt
Tucholsky, que não agüentou a mordaça nazista. Suicidou-se.
A Inglaterra,
país no qual os magnos assuntos da conversa de bom-tom são a chuva e o gosto do
chá preto, e onde o horror de parecer indiscreto se corporifica na
freqüentemente usada expressão: “I don’t wish to be personal” e onde as crianças cedo
aprendem que “Como vai?” não é uma pergunta e, sim, um cumprimento e que deve
receber como resposta apenas outro “Como vai?” é evidente que a crônica não
poderia florescer. Na Inglaterra brilham de modo ímpar os ensaístas, pois que o
ensaio é uma forma literária solitária, enquanto a crônica é uma conversa, uma
abertura de coração. E por isto que os franceses, com maliciosa agudeza,
declaram que “silêncio é o que os ingleses praticam quando em conversação
animada.”
Como o romance e
o conto, a crônica também se assenta sobre um tema principal, uma espécie de
mote, a partir do qual a imaginação se espraia. Esse enredo abrange um fio
condutor, um tema básico em volta do qual são feitas excursões em temas
elucidativos. É o final da crônica que reúne todos os fios — os vários assuntos
abordados — e coroa o texto.
Nas Américas, o
paraíso da crônica é o Brasil. Aqui ela alcançou o nível de grande literatura.
Entre nós, a
crônica surgiu em jornais do Rio de Janeiro, quando ainda capital da Primeira
República, no fim do movimento Romântico, como resenhas semanais literárias e
tornou-se permanente no período do Modernismo.
lnicialmente,
tratava de assuntos ligeiros, superficiais e do momento. Dava a sensação de
espontaneidade e naturalidade. Sua linguagem, como até hoje, era simples e
objetiva.
Com o Modernismo,
o processo foi transferido para a execução de pequenas narrativas circunstanciais
que deleitavam os leitores.
A diferença
básica entra a crônica e o conto é que a crônica não contém conflito. A crônica
termina em aberto e antes de o conflito se estabelecer.
Entre centenas de
magníficos cronistas do passado e recentes, surgem os nomes de Machado de
Assis, Lima Barreto, Rachel de Queiroz, Carlos Drummond de Andrade, Paulo
Mendes Campos e Fernando Sabino. Porém, desde o Amazonas até o Rio Grande do
Sul, tanto no passado quando no presente, cronistas do melhor quilate abrilhantam
as páginas de nossos jornais diários.
Até há alguns
anos, ninguém foi mais constantemente brilhante que Rubem Braga, cujas crônicas
eram a primeira leitura obrigatória para legiões de admiradores e de quem, Otto
Lara Rezende, com rara felicidade, afirmou que “quando ele tem assunto é muito
bom. Quando não tem ainda é melhor”
Desde sua Porto
Alegre, mas em uma cadeia de jornais diários, Fernando Veríssimo tem se
dedicado à crônica sardônica. Em Florianópolis, com constância admirável,
Sérgio da Costa Ramos, diariamente e há anos, tem nos dado o sal de seu
espírito. Agora, de Lages, Paulo Ramos Derengoski juntou-se a um grupo de
cronistas que se reveza no Diário Catarinense, no qual Flávio José Cardozo
brilhou com suas diárias conversações amenas. Eu, por quinze anos, colaborei
dominicalmente em “O Estado” daqui, e, depois, em várias revistas da nossa capital.
Atualmente, vem surgindo um grupo de jovens cronistas catarinenses, cujo ardor,
próprio da juventude, clama” contra tudo isto que aí está” em catilinárias
frementes. Com o tempo aprenderá que a crônica é conversa amena; nem é
panfletária nem consertadora do mundo. Seu tom não é vermelho; tem o dourado do
mel e analisa com a calma estóica da maturidade os desmandos do mundo que, de
todo modo, parecem irmãos gêmeos de todas as civilizações.
Seja romance,
conto, conto curto ou crônica, a matéria prima é a palavra.
É esta que tem
que se tomar o instrumento dócil e a amante exigente do escritor. Assim como um
pedreiro que não sabe manejar sua colher jamais levantará uma parede firme e
forte, também o escritor que não dominar a palavra pelo seu amor e sua
dedicação a ela também não conseguirá transmitir bem seu recado pessoal aos
leitores.
É com a palavra, esta matéria prima, que serão construídas as
frases, os parágrafos e o texto inteiro. E preciso ao escritor amar, cultivar
não só as palavras, mas tudo que lhes diz respeito: sua história, seu
desenvolvimento, sua sinonimia, as nuanças de seus sinônimos.”Bastante” e “muito”
são gradações de quantidade. “Bastante” é apenas o que é suficiente, o que
basta; e “muito” indica mais do que apenas bastar. Bonito, lindo, formoso, encantador transmitem
a sensação de harmonia que Aristóteles declarou ser essencial ao belo. Mas nenhuma
dessas palavras toma o lugar das outras.
Voltemos a amar
as palavras de nossa língua. Elas não são nossa propriedade para que, por
esnobice ou ignorância, distorçamos seu significado.Delas somos apenas
portadores, e as devemos entregar não
estropiadas, mas intactas, às gerações que nos sucederem.
O autor é membro da Academia
Catarinense de Letras
Carlos Adauto Vieira pondera:
ELEITOR É PODER
Principalmente, os partidos
políticos não têm dado muita importância a esta verdade incontestável.
São Francisco do Sul poderia ter o
dobro do número, atual, de eleitores e, com isto, aumentar o seu poder de
reivindicações e presença em decisões do
poder público.
Por que Joinville e Florianópolis
falam tão grosso com o governador, com os deputados, com os senadores? Porque
têm eleitorado expressivo, de seis dígitos!
E, lastimaelmente, São Francisco do
Sul, ainda, proporcionalmente, tem perdido eleitores, votos. Diminuído o seu
eleitorado com a mudança de gente daqui para outros centros mais ricos em
oportunidades de estudo, trabalho, renda.
E, por outro lado, eleitores do
Paraná, do Rio Grande, de Mato Grosso, de São Paulo, etc... vêm para cá, seja
em busca de melhor qualidade de vida, de emprego de mão de obra, de repouso em
justa e merecida aposentadoria tão mal paga, mas ficam eleitores de suas
origens.
A Justiça Eleitoral, a Imprensa, a
Prefeitura, a Câmara Municipal, os clubes de serviço, a Maçonaria, os
Sindicatos, a ACISFS, a AMPE, as empresas de qualquer setor, especialmente, as
portuárias, deveriam unir-se em uma campanha bem projetada em favor do
alistamento eleitoral e da transferência de títulos para cá.
Se fôssemos cem mil eleitores,
seríamos mais beneficiados pelos governos estadual e federal. Poderíamos ter, até, um representante na
Assembléia Legislativa, como já tivemos três, antes de nos “livrarmos” de Garuva, Itapoá e Barra Velha. Somos menos
de cinqüenta mil...
Temos algumas atenções,
especialmente, por causa do excelente porto. Só!
É hora de iniciarmos a campanha,
fazendo crescer o eleitorado francisquense. E a importância do nosso município
no contexto estadual e nacional.
TURISMO E PODER PÚBLICO
Esclareceu-me um vereador que ele e
os colegas não participaram do excelente e importante curso sobre este
atualíssimo tema, porque não iriam ganhar diárias e perder o jeton, se
faltassem às sessões.. Mas não estão em recesso?
VENDER A SAZONALIDADE
Desde 1972 tenho viajado pelo
exterior, depois de te-lo feito pelo Brasil. Sempre procurei aproveitar me da
sazonalidade, particulamente, na Europa, que dividia o ano turístico em “de
baixa e alta estação”.
Na baixa, com preços mais baratos,
no mínimo, de trinta por cento.
A sazonalidade,lá, também, sempre
existiu.
Conheci lugares turísticos, como
Balneário de Cerbére, entre a Espanha e França, com seus hotéis fechados
durante o mês de abril. Só abertos na Páscoa!
Göschenen, nos Alpes de Andermatt, com os seus hotéis sem atendimento,
embora seja uma das mais famosas pistas de esqui européias. Obserwessel, sobre
o Reno, em janeiro, até, com o seu famoso Castelo-Hospedaria, cerrado, em
janeiro.
Assim, não podemos chorar a
sazonalidade do nosso Balneário de março a novembro. Temos é que vendê-la. Como?
Mostrando que o clima do Balneário tem uma
temperatura média de 24 graus, diariamente. Que é possível descansar, relaxar,
caminhar, nadar, mergulhar, surfar, winsurfar, velejar, pescar, ler durante
todo o ano. Que é possível jogar vôlei e futebol na areia. Durante todo o
ano. E que, no período de sazonalidade, há menos atropelos, não falta água,
alimentos, combustíveis, facilidade no trânsito, em hospedagem e com bons
preços.
E, ainda, que há eventos, como o Torneio de Pesca
da Sojopa, a Balfesta, as provas internacionais de surf, a Travessia,acrescidas
das de velas e motor.
Mesmo aproveitando só os fins de semana e
feriadões, é possível vender a sazonalidade. Com imaginação, publicidade,
criatividade.
Criatividade é, exatamente, a capacidade de superar
problemas.
SABEDORIA
Se não podes vencer o inimigo, alia-te a ele.
* * * * *
EM DEFESA DO BOTO
Carlos Adauto Vieira
Ecologista
desde a mais tenra infância, graças ao meu pai e ao Tio Olímpio, que amavam a
Natureza como bem precioso e pessoal, me interesso pelas campanhas em defesa da vegetação e da animalidade.
É
só saber que um animal corre o risco de extinção, já me engajo na campanha. Sou
contra a pesca da baleia, da foca, do mero, etc... valham o que valerem em
termos comerciais.
E
não é só no aspecto material, que me bato.
Também,
no respeito à dignidade dos bichos. Por isso terço armas em favor dos botos, os
quais não têm muitos amigos engajados. Mesmo, porque não conheço qualquer
campanha de “Salvemos os botos”. Ou, na hipótese, “Dignifiquemos os botos”. Mas
eles sofrem uma inaceitável campanha de humilhação. Como?
Desde
pequenininho, ali na Praia do Martinelli, do Aldo Luz, ou no Miramar, aprendi a
ver os botos em suas evoluções de ginastas. Fossem os de nariz de garrafa ou os
sotálias.
-Lá,
lá – esticando o bracinho e o dedinho indicador, os mostrávamos aos companheiros
de folguedos.
Inventávamos,
até, uma brincadeira, mais sacana do que desportiva, denominada Boto. Consistia
em, depois de uma democrática escolha meio na porrada, um de nós partir atrás
dos outros, mergulhando para os pegar. O pego era transformado em novo boto e a
brincadeira prosseguia.
Gostoso
era quando havia meninas na brincadeira. Todos
os rapazes queriam ser o boto para passar a mão voluptuosa pelas pernas
e outras partes pudendas das coleguinhas, durante a perseguição.
Assim,
nos familiarizamos com a espécie que nadava pelas costas catarinenses. Depois
nos surpreendemos com a existência de outras espécies: o branco, o roxo, o
tucuxi. Deste, o tucuxi, ouvimos histórias fantásticas, pois era conquistador
nato, inclusive de mocinhas adolescentes. Principalmente, se virgens. Nossa
prima Cristina, estudante de Medicina, quando estagiou na Amazônia, durante o
curso de Psiquiatria, foi procurada por uma senhora com a filhota dos seus 14
anos, grávida: Foi o boto tucuxi, doutora.. Ele seduz as moças do vilarejo,
disfarçado de homem. Deve ser verdadeira
a recíproca. Homem disfarçado em tucuxi. Se não, como se explica o romance do
senador amazonense Bernardo Cabral com a Ministra Zélia?
Acontece
que, um dia, tomei a escuna no trapiche de Canasvieiras e fui dar aquele
belíssimo e gostoso passeio até à Fortaleza de Anhatomirim. No meio, a
embarcação, repleta, parou e alguém avisou pelo megafone: Enseada dos
Golfinhos.
-
Golfinhos? Fiquei reparando como especialista no mamífero humanista. Golfinhos,
nada! Botos, puros botos, centenas deles, dos nossos mais autênticos.
Iguaiszinhos aos da infância e da adolescência. Iguais aos de Laguna, onde são
famosos por sua amizade aos pescadores, a quem trazem cardumes de tainhas na época própria. Protestei, berrei, discuti.
Fui ao capitão reclamar da publicidade enganosa. E, ante a indiferença geral,
fui consultar quem entendia: O Dr. e Professor Hilton dos Prazeres, professor
emérito da UFSC, manezinho total, e ele
me deu a explicação consoladora.
-É
a submissão cultural. Veio do Flipper,
aquele dos filmes. Porém, a diferença está em que o boto é boto, macho no duro.
E golfinho é boto adamado.
O autor é
jornalista, escritor, advogado e
pesquisador de História.
Presidente da Academia de Letras
e Artes de São Francisco do Sul.
dradauto@ilhanet.com.br
* * * * *
A “Associação Musical e Cultural Pomerodense” no
processo do desenvolvimento da Cultura.
Gian Pietro Bontempi
Parece que Pomerode sempre coabitou com a música e
o canto.
A história
conta que a cidade foi fundada pelo grupo de músicos-cantores, ou
“Meistersänger”, vindos da região da Pomerania.
Na época a
cidade era uma aldeia na beira do Rio Testo e já convivia com cantos
religiosos, melodias folclóricas e um bom número de músicos, talvez não
profissionais, mas bem ativos nas funções religiosas e nos eventos sociais.
Hoje,
Pomerode é um ponto de referência na atividade turística e cultural do Estado
de Santa Catarina, com entidades culturais, instituições educacionais e um novo
teatro que representa o orgulho da cidade.
Com suas
manifestações públicas, com vários eventos e especialmente com a “Festa
Pomerana”, Pomerode resgata a cultura alemã; vale a pena lembrar que a
tradicional “Festa Pomerana” atrai artistas e visitantes de todo o Brasil,
também da Europa e da América do Norte. Aqui as tradições locais convivem
juntamente e em modo perfeito, com os diferentes costumes do Brasil, como
com a cultura portuguesa, italiana e polonesa.
Como se
sabe, o estilo musical erudito vem da Europa e especialmente da Alemanha, país que
teve o mérito de impulsionar no mundo a arte mais elevada da música, conhecida
como “erudita ou clássica”. Bach, Beethoven, Brahms (os três “B” da música
alemã), Schumann, Wagner e outros “ Musikmeister”, representam também hoje um
sublime exemplo de perfeição no campo da arte musical.
Recentemente,
foi constituida a “Associação Musical e Cultural Pomerodense”, como projeto do
estudo e divulgação das grandes obras musicais eruditas, quase uma homenagem
aos excelentes compositores que fizeram importante a arte musical.
A nova
“Associação Musical e Cultural Pomerodense” tem como objetivo a divulgação da
cultura da música, especialmente européia, organizando concertos, palestras,
concertos didáticos, pesquisas, além de publicações, gravações e vários outros
projetos.
Um trabalho
que reconhece também a importância social da musica folclórica (por isso,
precisaria um trabalho de pesquisa e de resgate da música popular local), mas
que destaca o conhecimento das obras dos grandes compositores clássicos. Uma
atividade que desempenha os músicos da cidade, mas que prevê também o
intercambio com outros artistas profissionais do Brasil e de outros
países. Um grande projeto que confia na sensibilidade artística dos cidadãos,
no progresso da cultura e no talento dos seus músicos.
O autor é professor e concertista
Presidente da “Associaçao Musical
e Cultural Pomerodense”
* * * * *
Ao pé da letra
Autor: Carlos Adauto Vieira
Aos urbanistas e
conselheiros da
cidade para que se atenham
à preservação dos aspectos
citadinos.
Desde
quando vim para Joinville, há mais de 40 anos, agora noto, com tristeza, o
desaparecimento paulatino, mais constante, de locais de estabelecimentos que
seriam referenciais da cidade, especialmente para quem nasceu ou viveu aqui sua
infância, adolescência ou juventude.
A começar pelo rio Cachoeira, a
maior vergonha municipal joinvilense e cuja despoluição deveria ser ponto de
honra da cidadania local.
Psicólogos, sociólogos, urbanistas
se empenham na conservação destes pontos referenciais, porque fazem parte da
memória, não só da comuna, mas, principalmente, da comunidade, de cada cidadão.
Ah, “era ali, me lembro...”
Verdade que há bens comuns,
semelhante aos dinossauros, que não se adaptam e desaparecem.
A tristeza dos nostálgicos, dos
passadistas, dos românticos – igual a mim – esta ganhando bases cientificas,
pois a destruição destes pontos referenciais influi negativamente sobre o
comportamento psicossomático.
Nestes 40 anos, conheci o bife do
Ravache; a feijoada do Ian; o sorvete do Mirko; o especial da Polar; a costela
Zé Gordo e do Ernesto; o chope do Victor Hart; o café do Brunkow; os doces do
Dittrich; o filé da Rex; o serviço econômico do Bitsch; a hotelaria e culinária
do velho Schmidt no Trocadero. Só em culinária e locais onde se podia ir,
então... Desapareceram!
Havia trens, que nos levaram às
audiências em São Francisco do Sul, Guaramirim, Jaraguá do Sul, São Bento do
Sul. As marias-fumaças da maravilhosa crônica de Borges de Garuva em 15,5,96,
no “Anexo” e, anteriormente, da Urda Krieger.
Partindo daquela estação que, antes
de ser tombada, ainda vai tombar definitivamente, pela falta de cultura e
vontade política dos sobas.
Muita compra fizemos no Jorge
Mayerle, amigo e cliente, e no Alfredinho Boehm, cuja família foi uma das
criadoras do supermercado com lojas espalhadas por toda a Manchester.
Restam alguns destes curiosos
supermercados provincianos, onde se poderia encontrar quase de tudo em
mercadoria.
Sem
dúvida, o mais famoso, mais folclórico, talvez pelos seus donos, fosse aquele
da rua Doutor João Colin.
Era
até ponto turístico pela tradição, pela variedade de produtos à disposição dos
milhares de fregueses.
Ali,
se encontrava desde mel (mel puro!) até camisetas de malha cinzenta; desde
cetra (funda, schleud?) até prego sem cabeça; desde fogos juninos até finíssima
renda de Brugges.
Levei
um Ministro do Tribunal do Trabalho que, encantado, adquiriu um tamanco de
madeira, procurado há tempo, para calçar quando lava seu veleiro.
Ainda,
hoje, me pergunta pela loja e pelo seu proprietário, a quem fiz questão de
apresentar, porque era uma figura. Nunca tive coragem de lhe dizer que
desapareceram ambos.
Sua
loja – fazia questão de que fosse conhecida assim – só não tinha
“self-service”, porque ele sabia de cor e salteado o preço e o lugar de cada
mercadoria e adorava uma prosa com os fregueses.
O
lema da loja poderia ser: “Se aqui não encontrar, nem adianta procurar”.
Verdade
indiscutível. Orgulho de todos os joinvilenses.
Houve,
à época, discussões acaloradas sobre qual seria mais completo: ela ou o Macro.
Ponto
referencial virou tema de estórias. Particularmente, pelas observações do seu
proprietário.
Vamos
a algumas delas.
Certo
dia, um colono entrou correndo na loja e, se dirigindo ao dono, velhos
conhecidos eram, gritou:
-
Seu Fernando, me da uma ratoeira que preciso pegar o ônibus de Pirabeiraba...
-
Tesculpa, teste tamanho só por encomenda.Maior é pros ratazanas.
Advogado,
desportista náutico, recém-chegado à comarca, orientado pelos companheiros do
late, foi lá fazer compras.
-
Que tezecha?
-Nove
metros de corda.
-Pra
quê?
-Para
amarrar da minha lancha.
-
Enton, zer cabo. E cabo zó vendemos a quilo.
-
E, agora, como faço?
-
Zimples, medimos nove metros e peçamos.
Jovem
senhora, recém-casada, para aumentar a renda familiar resolveu criar galinhas
no enorme quintal. E verificou, horrorizada, que a galinha quebrava os ovos no
choco com o bico.
Alguém,
mais experiente, disse-lhe que deveria colocar ovos de chumbo no ninho. Ela
bicando, sentiria dor e não quebraria mais os ovos. Pavlov puro!
-
Onde achou?
Recebeu
a explicação para ir lá.
De
tarde, foi atrás dos tais ovos de metal.
-
Zim, minha Zenhorra, posso ajudar? – perguntou-lhe um senhor, simpático, olhos
glaucos, curiosos e vivos, meio curvado.
- O
senhor tem ovos de chumbo?
-
Non, minha zenhora – e, passando a mão esquerda pelas costas, esclareceu – é do
coluna mesmo.
Carlos Adauto Vieira
– jornalista, escritor, advogado e
pesquisador de História.
Presidente
da Academia de Letras e Artes de São Francisco do Sul.
dradauto@ilhanet.com.br
Autor: Carlos Adauto Vieira
Vencida
a Revolução de 30, Getúlio Vargas mandou fazer uma auditoria nos vários
ministérios para se assenhorear da situação de cada um.
O
mais problemático foi o Ministério da Viação e Obras Públicas, hoje
denominado dos Transportes. Já era na época e nunca mudou, se não para
pior. Como estamos vendo.
Getúlio
procurou entre os seus amigos revolucionários quem o poderia ajudar a
sanear este problema sem se comprometer com a corrupção.
Havia muitos nomes, mas de confiança para a missão, bem poucos. Getúlio os conhecia bem e de sobra. Forçoso encontrar o homem!
Do
bolso do colete, entre a coleção, juntinho ao próprio coração, existia
um nome incorruptível. O Robespierre dos pampas, Salgado Filho.
Getúlio acendeu outro charuto, sorriu de si para consigo e pediu o telefone.
Pelo
fio, após umas horas de espera, conseguiu a ligação. E quando
reconheceu a voz do conterrâneo, herói da revolução vitoriosa, homem da
sua mais absoluta confiança, disse-lhe simplesmente: “Vem ao Rio, que
necessito de ti, mas tem de ser sigilosamente, em verdadeiro segredo de
justiça. Voa, tchê!”
O
velho e inexcedível amigo não se fez de rogado: largou tudo e embarcou
no seu carro para o reencontro com o seu chefe político. Em lá chegando,
já o esperava, ansioso, o presidente, que o abraçou carinhosamente,
revelando a gratidão pela amizade sem suspeita, tão rara hoje. “Tenho
uma tarefa hercúlea para ti e não me podes faltar. És o único dos
companheiros amigos a quem posso confiá-la...”
- Em que consiste? Outra revolução?
-
Pior, meu general. Um ministério... o de Viação e Obras Públicas. O
maior antro de corrupção ativa e passiva da República. Há que
exterminá-lo e só tu, pelo teu caráter, és capaz disso. Como sei que
todos têm o seu preço e te conhecendo como te conheço, sei que jamais
chegarão ao teu...
-
Espera aí, queres que largue todos os meus compromissos para assumir
este? Desculpa, mas não posso aceitar. Já fiz o que fiz pela tua vitória
na revolução. Agora, quero a paz da estância.
Porém, Getúlio era persuasivo e o convenceu a aceitar. Aceitou!
Tomou posse e três meses depois, foi ao Catete e disse que vinha entregar o cargo, embora a missão não estivesse completa.
- Por que? – perguntou Getúlio, pasmo.
- Porque estão chegando muito perto do meu preço.
Autor: Carlos Adauto Vieira
Na
adolescência, após o ingresso no curso médio do Ginásio Catarinense,
famosíssimo e dificílimo na época, passei a freqüentar o quartel da
Polícia Militar de Santa Catarina, até porque fiz amizade, mantida e
aprimorada até hoje com filhos de oficiais, como o Carlos Hugo Stockler
de Souza, o Airton Spalding.
Íamos ao Quartel para cumprir o mens sana in corpore sano, aprendendo e praticando esportes, além de ética e cidadania.
Como
os caminhos da vida são imprevistos, afastamo-nos em determinada fase,
sem perder a amizade, pois consolidada e facilmente recuperável.
Reatamos
o velho e sólido relacionamento, descobrindo-nos virtudes semelhantes:
Ambos (Hugo e eu) escrevíamos. E, na troca de livros pessoais, recebi as
suas memórias e pesquisas sobre a pesca submarina em Santa Catarina, de
que foi um dos pioneiros, já oficial da nossa Força Pública. Excelente
obra com fartura de fotos das pescas e dos pescadores num tempo em que
Ecologia não era uma necessidade legal. Lendo-o, numa prosa bastante
coloquial e muita descritiva das performances e dos percalços, quase a
gente se esquece de que as espécies, vegetais, animais e humanas são
extintivas, se se as agride inocente ou propositadamente. Os pescadores
submarinos da época eram inocentes desportistas, o que justifica o
prazer desta leitura sem a possibilidade ser-se biodesagradáveis.
Porém Hugo, ante o sucesso literário e histórico, não parou e nos deu “Do Laço Húngaro às Estrelas”, símbolos das patentes militares da nossa .brava milícia catarinense.
Neste
é mais ele, o Hugo do nosso tempo. As páginas vão rolando como se
estivessem a contar-nos os trechos da sua vida militar à beira de um
fogão de chão assando costela; o chimarrão bem cevado com erva nova; uma
canguara a passito para solidificar o vinho ou a cerveja. Não há
preocupação de literatura, mas, simplesmente do seu estilo, aquele jeito
franco, às vezes reticente, noutras completo, com uma memória invejável
para cada detalhe, cada pergunta e, mais que tudo, para cada resposta
ao questionamento indesejado. Entretanto, em instante algum a
despreocupação com a dignidade de membro da nossa Polícia Militar;
antes, dando os exemplos da sua ética formação. E militar, que viveu uma
boa parte da História Catarineta.
Trata-se
ainda, de um livro bem editado, com uma capa colorida com o Laço
Húngaro em cores da briosa Corporação, pela Above Publicações de Vila
Velha – ES.
Hugo
nos promete mais algumas obras com as quais, certamente, se tornará
estrela da Literatura de Santa Catarina. Ou, do próprio Brasil.
O lago congelado
Colaboração de Waldir Luiz Neumann
Autor Desconhecido
Conta certa lenda que estavam duas crianças patinando num lago congelado.
Era uma tarde nublada e fria e as crianças brincavam despreocupadas.
De repente, o gelo se quebrou e uma delas caiu, ficando presa na fenda que se formou.
A outra, vendo seu amiguinho preso e se congelando, tirou um dos patins e começou a golpear o gelo com todas as suas forças, conseguindo por fim quebrá-lo e libertar o amigo.
Quando os bombeiros chegaram e viram o que havia acontecido, perguntaram ao menino:
- Como você conseguiu fazer isso?
É impossível que tenha conseguido quebrar o gelo, sendo tão pequeno e com mãos tão frágeis!
Nesse instante, um ancião que passava pelo local, comentou:
- Eu sei como ele conseguiu.
Todos perguntaram:
- Pode nos dizer como?
- É simples - respondeu o velho.
- Não havia ninguém ao seu redor, para lhe dizer que não seria capaz.
De repente, o gelo se quebrou e uma delas caiu, ficando presa na fenda que se formou.
A outra, vendo seu amiguinho preso e se congelando, tirou um dos patins e começou a golpear o gelo com todas as suas forças, conseguindo por fim quebrá-lo e libertar o amigo.
Quando os bombeiros chegaram e viram o que havia acontecido, perguntaram ao menino:
- Como você conseguiu fazer isso?
É impossível que tenha conseguido quebrar o gelo, sendo tão pequeno e com mãos tão frágeis!
Nesse instante, um ancião que passava pelo local, comentou:
- Eu sei como ele conseguiu.
Todos perguntaram:
- Pode nos dizer como?
- É simples - respondeu o velho.
- Não havia ninguém ao seu redor, para lhe dizer que não seria capaz.
O colar de turquesas azuis
Autor desconhecido
O
homem por detrás do balcão olhava a rua de forma distraída enquanto uma
garotinha se aproximava da loja. Ela amassou o narizinho contra o vidro
da vitrine. Os seus olhos da cor do céu brilharam quando viu
determinado objeto.
Ela entrou na loja e pediu para ver o colar de turquesas azuis, então disse ao balconista:
- É para minha irmã, você pode fazer um pacote bem bonito?
- É para minha irmã, você pode fazer um pacote bem bonito?
O dono da loja olhou desconfiado para a garotinha e lhe perguntou:
- Quanto dinheiro você tem ?
- Quanto dinheiro você tem ?
Sem hesitar ela tirou do bolso da saia um lenço todo amarradinho e foi desfazendo os nós. Colocou-o sobre o balcão e disse:
- Isso dá, não dá ?
- Isso dá, não dá ?
Era apenas algumas moedas que ela exibia orgulhosa.
- Sabe, - continuou, - eu quero dar este presente para minha irmã mais velha. Desde que nossa mãe morreu ela cuida de mim e não tem tempo para ela. Hoje é aniversário dela e tenho certeza que ela ficará feliz com o colar que é a cor dos olhos dela.
O homem foi para o interior da loja, colocou o colar em um estojo,embrulhou com um vistoso papel vermelho e fez um laço caprichado com uma fita azul.
- Sabe, - continuou, - eu quero dar este presente para minha irmã mais velha. Desde que nossa mãe morreu ela cuida de mim e não tem tempo para ela. Hoje é aniversário dela e tenho certeza que ela ficará feliz com o colar que é a cor dos olhos dela.
O homem foi para o interior da loja, colocou o colar em um estojo,embrulhou com um vistoso papel vermelho e fez um laço caprichado com uma fita azul.
- Tome - disse para a garotinha, - leve com cuidado.
Ela
saiu feliz saltitando pela rua abaixo. Ainda não acabara o dia quando
uma linda jovem de cabelos loiros e maravilhosos olhos azuis adentrou na
loja. Colocou sobre o balcão o já conhecido embrulho
desfeito e interrogou:
desfeito e interrogou:
- Este colar foi comprado aqui?
- Sim senhora, - respondeu o dono da loja.
- E quanto custou?
- Ah!", - falou o lojista - o preço de qualquer objeto em minha loja é sempre um assunto confidencial entre o vendedor e o cliente.
- Sim senhora, - respondeu o dono da loja.
- E quanto custou?
- Ah!", - falou o lojista - o preço de qualquer objeto em minha loja é sempre um assunto confidencial entre o vendedor e o cliente.
Mas minha irmã tinha somente algumas moedas. E este colar é verdadeiro, não é? Ela não teria dinheiro para pagar por ele.
O homem tomou o estojo, refez o embrulho com extremo carinho, colocou a fita e devolveu à jovem dizendo:
O homem tomou o estojo, refez o embrulho com extremo carinho, colocou a fita e devolveu à jovem dizendo:
- Ela pagou o preço mais alto que qualquer pessoa pode pagar. Ela deu tudo que tinha.
Macheza
Autor: Carlos Adauto Vieira
Sol
de quase meio-dia. Empapados de suor, os estivadores trabalham. Nem
uma viração. Nem um soprinho de vento. O mar sereninho, sereninho. Só o
cabo do guincho geme com o peso da madeira, que vai sendo empilhada no
porão, onde um terno a dispôs em ordem, ocupando o menor espaço vago.
“Carioca”
comanda este terno. Há seis anos apareceu no “ponto”, oferecendo–se
para trabalhar como bagrinho. Vinha do Rio. Daí o apelido. Depois de uma
briga com três gringos – dois jogados n’água e um cortado à faca –
ganhou fama de valente e passou a ser muito respeitado. Outras vitórias
em brigas contra seus colegas de serviço, marinheiros, policiais,
aumentaram a sua fama, que ninguém se atrevia a desmanchar,
enfrentando-o.
Guincho
sobe e desce. “Ganancinha” maneja-o, limpando o rosto com um pedaço de
estopa. É tijucano. Foi embarcadiço, mineiro, peão, enfim, percorreu
meio mundo antes de ingressar na estiva. Calmo, alegre, trabalhador,
respeitadíssimo por suas opiniões e posições em favor da sua classe. É
dos que sempre se manifestam nas assembléias, com acerto e ponderação.
Especialidade de companheiro, reconhecem todos. Nunca mexeu com ninguém.
Dá-se com todos e todos dão-se com ele. Até mesmo os pelegos.
Guincho
sobe e desce. Gemendo sempre, como se fosse a voz dos estivadores
cansados, empapados de suor, cuja vida é fazer força, cada vez mais
força. O dia está mesmo brabo de tão quente.
-
Parece um inferno - a expressão sai como um desabafo. Uma tensão vai
tomando conta daqueles homens, mal dormidos, mal alimentados, sufocados
de pelo calor e pelo trabalho tão pesado. De repente, a lingada escapa
em cima dos homens no porão.
Ganancinha grita, advertindo. Safos, todos conseguem evitar a tragédia. Uma tábua porém risca a perna do Carioca, que sangra.
- Cabra da moléstia , burro - grita para o Ganancinha, já à boca do porão.para ver se houve algum ferido.
E partem um para o outro, tremendo ambos de raiva.
Tudo
pára. Todos os olhares se voltam para os dois. No convés se encontram
frente a frente. Se miram. Chegam a sentir o bafejo um do outro. Mas
param, voltam aos seus postos, compreendendo que eram os dois mais
machos ali do porto e que não valia a pena brigar.
Parabéns Pomerode!!!
Celso Deucher*
Era
18:30 horas... Em Brusque um grupo de casais preparava-se para pegar a
estrada e ir até a cidade mais alemã do Brasil, Pomerode. O motivo eram
as comemorações do segundo aniversário do teatro municipal da cidade e a
curiosa apresentação de um grupo que inventou de misturar vários
estilos musicais e resolver inclusive colocar dança num show que deveria
ser um Concerto de Câmera.
As 19:30 horas estávamos todos lá na terra dos pomeranos. Eram quatro
casais de Brusque, além de diversas outras pessoas das terras de
Schnéeburg. O belíssimo teatro municipal, de causar inveja a nós
brusquenses foi aos poucos se enchendo e como tira gosto aconteceram
algumas apresentações de artistas locais, todos do mais alto nível.
Chegou afinal a hora do show principal...
Na penumbra do belo palco anunciaram-se um pianista, um violinista, um
vioncelista, um bandoneonista, um tenor e ainda um grupo de dança alemã e
um casal dançarinos de tango. Era a apresentação de um show totalmente
diferente do que tínhamos visto até hoje. Um show inesquecível... Não
foi somente um concerto... Foi um show digno dos melhores que já tive a
oportunidade de assistir. O programa musical abrangeu diferentes estilos
musicais saindo da música barroca até a moderna.
A
nova Orquestra da Câmera de Pomerode se apresentou maravilhosamente com
composições para violino e piano de Antonio Vivaldi, Niccoló Paganini e
Alberto Curci. Simplesmente impecável a atuação no violino do solista
Gilson Padaratz e do pianista internacional Gian Pietro Bontempi. O
tenor Demetrio, protagonista deste evento já o havia visto de apresentar
com diferentes grupos e especialmente com a Orquestra Sinfônica de
Florianópolis. Neste evento Demétrio foi um espetáculo levando o público
ao êxtase com varias óperas italianas de Verdi, Leoncavallo e Puccini.
Mostrou a variedade do seu repertorio executando também clássicas
canções do repertório italiano.
Mas
não poderia deixar de falar que no grupo Orquestra da Câmera se
destacaram três peças para bandoneon, piano, violino e violoncelo, no
estilo popular alemão, afinal estávamos na bucólica Pomerode; Foram
composições inéditas que Padaratz, tempo atrás, encontrou no acervo do
musico Alfredo Rasdloff. As composições para bandoneon foram executadas
pelo músico Roberto Maske e as partes do violoncelo pelo maestro Thiago
Bezerra. Todos simplesmente impecáveis nas interpretações.
Já
na primeira participação do bandoneon tivemos a importante participação
dos componentes do Grupo Folclórico de Pomerode, um dos mais antigos de
Santa Catarina e que levou o público a uma viagem ao passado. Na
condição de convidados especiais também deram um show os bailarinos
Roberto e Carla de Blumenau que tiraram o fôlego do publico numa bela
dança do tango.
O
concertista italiano, pianista Gian Pietro Bontempi conseguiu os
delicados timbres do Impressionismo Frances, tocando um prelúdio de
Claude Debussy. A mágica atmosfera de Chopin, o “Poeta do Piano”
apareceu nas delicadas notas da valsa op. 69 n.2.
No
teatro havia um caloroso publico que com uma atenção própria dos
grandes concertos aplaudiu calorosamente os concertistas. Lá estavam o
prefeito da cidade, Dr. Pizzolati, que amavelmente nos deu boas vindas,
assim como a vice prefeita Gladis e seu esposo, além da coordenadora do
Departamento de Cultura do município, Rosita Jung e outras autoridades.
Chamou
especial atenção a presença de gente de diversas cidades de Santa
Catarina e de convidados muito especiais que presenciaram o evento.
Entre eles lá estava o sempre prestigiador da Cultura Sulista,
Desembargador Carlos Prudêncio, de Brusque, e o renomado escritor e
advogado, Adauto Vieira, de São Francisco do Sul, todos acompanhados de
suas esposas.
Todos
os brusquenses foram unânimes: a nova Orquestra de Câmera de Pomerode
começou muito bem e deu um verdadeiro show digno dos melhores concertos
europeus.
Em
resumo, foi uma das mais agradáveis noites que passamos na bela
Pomerode. De parabéns a administração municipal e o povo desta cidade
que mantém firmemente os valores trazidos por seus antepassados da
longínqua Alemanha. Mas muito além disso, parabéns pelos dois anos do
novo teatro municipal e que outros eventos desta estirpe lá aconteçam.
Certamente sempre que possível lá estaremos para assistir tão belas
manifestações artísticas do nosso povo.
*O autor é jornalista e escritor em Brusque SC.
Grécia: Aonde nasceu a Democracia, agora tem a Ditadura.
Por Gian Pietro Bontempi.
Na
Grécia os atuais protestos contra o governo que se transformaram em
atos de violência e confrontos com a polícia, são reações às medidas
anti-populares que prevêem o congelamento dos salários e o aumento dos
impostos. Cerca de oitenta por cento dos cidadãos já há algum tempo,
pedem a demissão do governo e uma maioria quer a saida da Grécia da
Comunidade Europeia.
Depois
das previsões ambiciosas dos anos noventa sobre os benefícios de uma
moeda única européia, todos esperavam resultados concretos. Ao
contrário, as expectativas foram negativas e os cidadãos comuns se
encontram hoje com os preços de mercadorias e serviços três vezes mais
caros e quase com os mesmos salários de dez anos atrás. A Europa, que
deveria se tornar “Europa dos povos”, demonstrou, ao invez disso, a
Europa dos grandes burocratas da política e dos bancos centrais. Sob o
controle de um governo autoritário que quer manter grandes privilégios
de uma mínima parte da população, sacrificam-se os cidadãos com altos
impostos, congelam-se os salários e se reduzem os direitos sociais.
Vale
a pena lembrar que eminentes economistas americanos, na época da
introdução da moeda única, haviam manifestado dúvidas sobre a operação
monetária, sem ter preventivamente harmonizado a economia de diferentes
países e também integrado a cultura dos povos. Mas, o pior aspecto da
Europa é representado pela Grécia e pelo risco da depressão econômica em
outros países como Espanha, Portugal, Irlanda e Itália. Tudo isto
demonstra que não é suficiente unificar as moedas com uma decisão
política, se antes não se constituir a integração dos povos.
No
caso específico, a Grécia não tem nenhuma possibilidade de sanar sua
dívida pública: o turismo, a maior atividade, está praticamente parado;
protestos e greves paralisam a vida civil e criam ainda uma dívida
maior. A arrogância de um governo incapaz está provocando a guerra
civil, um perigo que poderia se alastrar em todo o continente europeu.
Se
estes fatos de arrogância política e de repressão tivessem ocorrido na
América Latina, a imprensa européia os teria definido como resultados de
uma ditadura agressiva. Mas, visto que os fatos acontecem na
“civilizadissima” Europa, quase ninguém pensa em condená-los. Ao
contrário, a mídia parece desviar a atenção da Grécia para tentar
salvar a ideia utópica de uma Europa com sua moeda. O mesmo grande
projeto sonhado no curso da história dos ditadores europeus (Napoleão,
Hitler), mas nunca realizado.
Noticia curiosa sobre João Dias
Carlos Adauto Vieira *
Poucas
pessoas em São Francisco do Sul estão mais homenageadas do que este
senhor: tem uma escola básica na Praia do Forte; uma comunidade na Vila
da Glória; uma ilha no Linguado; um cabo marítimo e um morro ( do Forte
Marechal Luz) com o seu nome. Tudo no Balneário, se considerarmos a
Glória como parte dele.
Mas quem foi ?
Um
estudo mais sério e aprofundado dá-nos conta de que nasceu a Lebrixa,
na Espanha, no século XV e morreu na Argentina, vítima de uma emboscada,
em 1515. Hábil navegador e cartógrafo acompanhara Pinzon na descoberta
e subida do Rio Amazonas até o Peru, descobrindo as Civilizações
Incaicas e Pré-Incaicas, tendo antes, descoberto a Península de Yucatan
com a sua Civilização Maia em 1508. Nomeado piloto real, quando de sua
volta à Espanha, foi encarregado das cartas náuticas e voltou ao Novo
Mundo em 1509, para continuar a exploração do continente, iniciada pelo
navegador Pinzon. Descendo pelo Atlântico, visita a Rio de Janeiro, mas
continua descendo até entrar pela Barra de São Francisco do Sul,
atravessar a Baia de Babitonga, fazer contato com os guaranis e os
carijós (mistura de guaranis com brancos), em 1510. Tendo encontrado a
embocadura do Rio da Prata, volta à terra natal para anunciar a boa
nova, recebendo ordens de conquistar o território platino e o explorar
para Castela. Com Diego Mendonza funda Buenos Aires. Numa das suas
excursões pelo interior do território argentino, vítima de uma emboscada
dos índios, faleceu, foi moqueado e comido.
Ele
esteve em S. Francisco do Sul, quando navegava para o Prata, cuja
existência não desconhecia pelos estudos feitos. Entrando pela Babitonga
(Asa de Morcego, segundo os carijós), batizou-o com Ria de São
Francisco, braço de mar, em linguagem náutica e para homenagem ao santo,
seu padroeiro, no dia 03 de outubro de 1510, aniversário de morte do
mesmo. Rios eram confundidos, pelo seu tamanho, seu volume de água com
mares. Daí Dulce Mar, Amazonas; Mar Del Plata, o da Prata. E, por sua
vez, mares foram, igualmente, confundidos: Guanabara, Rio de Janeiro;
Babitonga, Ria (Braço de mar) São Francisco.
A
maior curiosidade sobre João Dias é que, tendo estado, aqui, para se
reabastecer de água e mantimentos, fez amizade com os carijós e alguns
brancos; projetou uma fortaleza no Morro João Dias (hoje do Forte) que
defenderia a baia e onde há o Cabo João Dias, para o que deixou cerca de
dez dos seus homens de tripulação.
Pelo
Canal do Linguado, onde existe a Ilha de João Dias, continua a sua
jornada, indo fundear na Ilha de Santa Catarina (então Ilha dos Patos),
em cuja ponta sul – Naufragados - nome dado pelo acidente naval àquela,
os marinheiros e seu comandante Aleixo Garcia tiveram de buscar terra
firme, na região de Palhoça(Maciambu). Ganhando a confiança dos
guaranis, casou com a filha do cacique e com ela teve um filho, o
primeiro registrado nascido no Brasil. Garcia, curioso, pelo uso de
metais preciosos, como ouro e prata, logrou organizar uma expedição, com
a qual descobriu e traçou o Peabiru, Caminho Velho, ligação secular
entre o Pacífico e o Atlântico, traçado segundo o desenho da Via
Láctea, pelo qual foi às Cataratas do Iguaçu e ao Peru, em busca de
ouro, prata e pedras preciosas. No caminho, descobriu o Paraguai, do
qual é considerado herói. Em São Francisco do Sul, há notícias sobre
este extraordinário e universal Juan Diaz, porque o seu nome foi,
inexplicavelmente, aportuguesado, já que é conhecido em todas as
enciclopédias por JUAN DIAZ DE SOLLIS.
Entre
as homenagens, ligando, ainda, mais a Espanha ao nosso Município, em
2010, há que se mudar, definitivamente, do português para o espanhol, o
seu nome verdadeiro.
Ilha de São Francisco do Sul, setembro de 2002.
* * * * *
Babitonga
“
Babitonga ou bopitanga era o nome pelo qual os indígenas chamavam a
bela baia, quando os espanhóis ali chegaram no século 16. Conforme
Sain-Hilaire, provavelmente, deriva das palavras guaranis “mpobi”,
morcego, e tang, novo, tenro. Há, também, a versão do historiador Carlos
da Costa Pereira, segundo o qual, a denominação se origina de
“mbolpitanga”, cobra vermelha. O nome Babitonga aparece pela primeira
vez no mapa do Paraguai, provavelmente feito pelos jesuítas entre 1646 e
1649. Registra, ainda, este autor que a denominação carijó da baia “
benipitanga” ou outro termo parecido, de que babitonga é uma corruptela.
Bapitonga, bepitanga, babytonga, como antes era grafado por diversos
autores, dá margem a várias interpretações – filho de morcego,
mbopi-tanga (Saint Hilaire) cobra coral, mboy-pitang (José Boiteux),
lugar contornado pelas águas, babaétoounga, modificado para
ibabahétonga, de onde, babetonga, ibabitonga (Coronel Tenório de
Albunquerque, (segundo informação prestada ao dr. Affonso Taunay),
podendo, ainda, na versão deste tuínólogo, significar “lugar das
pitangueiras”. Finalmente, Teodoro Sampaio (O Tupy na Geografia
Nacional) define “babitonga” como corruptela de “bopitanga”, alteração
de embopitanga, que quer dizer “avermelhar”
Não
é fácil uma significação exata. Tanto mais que Charles d´Olengèr, com o
seu humor inconfundível, diz que o nome se originou quando o corsário
irlandês Addison, ao falar com os nativos da Ilha Encantada e não lhes
podendo compreender o linguajar, disse aos seus marujos: “They talk a
baby tongue”.
Para
complicar alguns pesquisadores afirmam que babitonga – asa de morcego –
nasce da forma da Ilha. Não da baia. Pior, como é que os nativos sabiam
o formato da Ilha ou da Baia, se não a podiam ver do alto, se não da
Serra de Curitiba? Mas, tentou-se explicar.
* Jornalista, escritor, advogado e Presidente da
Academia de Letras e Artes de São Francisco do Sul
Pelo Peabiru ao sambaqui
Carlos Adauto Vieira[i]
Na
sua última gestão na Prefeitura de São Francisco do Sul, o Dr. Alfredo
Darcy Addison, uma das mais lastimáveis vítimas da ditadura de 64, me
telefonou certa tarde, pedindo-me para acompanhar um antropólogo inglês,
que visitava a nossa Ilha Encantada em pesquisas da sua especialidade e
justificou: ”Falas bem Inglês e gostas destas velharias”. A última
parte era a ironia irlandesa.
Acompanhei o cientista na manhã seguinte.
No
sambaqui da Prainha/Praia Grande (Foi o escolhido, embora haja mais de
cem no entorno da Babitonga e nas praias do leste/norte) ele se demorou,
catando material do mesmo e colocando, delicadamente, em uma enorme
bolsa de lona. Faria exames em laboratório londrino, quando retornasse. E
remeteria cópia dos resultados para a Prefeitura.
Em
dado momento me perguntou se sabia o que era aquela monte de cascas de
ostras, mariscos, restos de peixe, siris, ossos humanos e de animais..
-
Sambaqui– respondi calmamente. Afinal eu fora aluno do Professor e
Padre Allfredo Rohr, no Colégio Catarinense, um dos primeiros a buscar
nestes cemitérios indígenas elementos para a análise da vida dos que os
constituíram.
- Quem os teria constituído? , perguntou-me
- Indígenas. Índios pré-colombianos. Guaranis e carijós.
-
Em parte. Foram os índios de todo o sul da América do Sul,
especialmente vindos dos Andes. Povos andinos. E por qual razão?
Provavelmente – respondeu a si próprio – para festejar um deus –
certamente o Sol – num determinado dia do ano. Guaranis e carijós
levariam mais de dez mil nos para obter um monte com tal área e tal
altura. Este sambaqui deve ter de cinco a dez mil anos de idade.
Guaranis e carijós seriam muito poucos para tanto. Mas os que vieram dos
Andes deveriam ser em número superior a cinqüenta mil. Cada leva. E,
aqui, ficavam, por muitos dias, celebrando o seu Deus, comendo, bebendo,
dançando, casando-se, procriando. De volta às suas aldeias, levavam
sobras de ostras, mariscos, siris, peixes, animais, daí o porquê da
existência de sambaquis no interior do Brasil. Especialmente, à beira de
rios. Como em Foz do Iguaçu.
Incrível a teoria do inglês. Mas que provas?
Meu fraterno amigo Vilson Mendes, editor da Papalivros, me presenteou com uma obra extraordinária “OSTRAS”,
sendo autores Denise e Ivan Angelo Trois, a primeira no gênero em que
reúnem história, vida dos moluscos, espécies, métodos de criação e
receitas, nclusive uma especial: picanha com ostras. À página 35,
escrevem:
“Há mais de quatro mil anos os índios americanos consumiam quantidades
enormes de ostras, apreciando-as cozidas. O mesmo acontecia no Brasil.
Os índios litorâneos consumiam tantas ostras que com as suas conchas
construíram os Sambaquis, verdadeiros morros de casca”.
Meia verdade histórica, mas justificável, porque não se trata de livro voltado à História, mas ao prazer do molusco à mesa.
O escritor e editor Joel Gehlen deu à lume a prova provada da teoria com o ensaio do Professor Olavo Raul Quandt “PEABIRU, o Caminho Velho”[ii],
no qual mostra como os índios há séculos varavam do Pacífico ao
Atlântico pelos peabirus, ainda, hoje, existentes, perfeitamente
demarcados por vegetação própria, inclusive em Santa Catarina, conforme
reportagem na excelente revista Mares do Sul,
em número do ano passado, editado, pelo, também, escritor e editor
Werner Zots, narrando a excursão de um grupo de reporteres,
pesquisadores e excursionistas por eles, chegando à Serra
do Mar (Três Barras, Monte Crista), na região de Joinville. Rosana Bond
com o seu Aleixo Garcia acresceu mais elementos. O Rio Itapocu, que
banha Jaraguá do Sul, o Gigante do Vale e Guaramirim, desembocando em
Barra Velha, teve as suas margens o Caminho Velho por onde circularam
Álvar Nuñes Cabeza de Vaca, Aleixo Garcia, Doña Mência Calderon de
Sanábria, vulto sagrado do Paraguai.
Facilmente por estas trilhas milenares, traçadas pelo desenho da Via Láctea. os
povos andinos chegaram à nossa Praínha/Praia Grande construindo o
sambaqui, ali existente, mal explorado, porque deve guardar restos de
ostras, mariscos, mexilhões, siris, fósseis de animais e seres humanos,
material de trabalho, de cozinha, de mesa, pois nem a Fundação Cultural
Ilha de São Francisco do Sul, nem a Secretaria de Turismo, antes, se
tinham preocupado em o apresentar aos visitantes e aos nativos, com
placas explicativas, como agora acontecerá, da sua importância
antropológica, tornando-o ponto turístico e científico de visitação
obrigatória. E, igualmente, de pesquisas. O que se poderia fazer com a
colaboração do Museu do Sambaqui de Joinville e da Univille.
Carlos Adauto Vieira
– jornalista, escritor, advogado e pesquisador de História, Presidente
da Academia de Letras e Artes de São Francisco do Sul.
dradauto@ilhanet.com.br